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O jornalismo e a entrevista com Varejão

Eu sou um jornalista. Estou para receber meu diploma – aquele que, segundo o Supremo Tribunal Federal, é o atestado de que perdi quatro anos da minha vida se especializando para fazer algo que, agora, qualquer um pode fazer. Mas, de qualquer forma, sou um jornalista e estou me pós-graduando na área – o que pode significar que estou dando socos em ponta de faca.

Na pós-graduação, estou passando por uma matéria chamada “Novas Tecnologias aplicadas ao Jornalismo”, cujo título é bem auto-explicativo. A maior parte da aula passou pela discussão sobre qual o papel e importância do jornalista em um mundo no qual qualquer um pode ser convertido em um potencial jornalista através, por exemplo, da criação de um blog.

A discussão da aula atingiu a realidade concreta quando Maurício, um “colaborador” do blog  brasileiro NBA WebSportiva, publicou uma entrevista falsa com Anderson Varejão. Nesta postagem (que já não está mais no ar), uma declaração em especial chamou a atenção da Liga: Mark Cuban, dono do Dallas Mavericks, teria ofertado um contrato de três anos para o ala-pivô. Em pouco tempo, sites como o RealGM – que costumo acessar com certa regularidade – davam destaque à revelação e a repercussão entre os veículos especializados foi enorme.

Prontamente, os representantes de Anderson Varejão desmentiram a entrevista e Mark Cuban emitiu um comunicado desmentindo a proposta. Bud Shaw, do site Cleveland.com, chegou a afirmar que tratava-se de uma conspiração do jogador e do dirigente para passar a perna no Cavaliers. Deus do Céu, que estrago!

Vou ser sincero: vi o link da entrevista em uma comunidade do Orkut, mas não cheguei a ler. O motivo? Estou cansado destas entrevistas. Perguntas burocráticas e repetitivas que recebem respostas burocráticas e repetitivas. Além do mais, quantas entrevistas já vimos com Anderson Varejão? Eu quero pessoas diferentes sendo entrevistadas ou perguntas diferentes. Toda a entrevista que leio soa como uma chance desperdiçada.

Depois, lendo os comentários do tópico, percebi as grandes pistas que indicaram para a invenção da entrevista. Mesmo redações básicas de crianças do primário – imaginem textos jornalísticos – exigem um requisito básico: lógica. É preciso que as coisas façam sentido. E a suposta entrevista tinha muitos pontos que desafiavam a lógica, falhas cavalares do tal Maurício.

Primeiro, que tipo de jogador vai expôr detalhes exatos de uma negociação em andamento com outra franquia? Provavelmente, nenhum. Mas isso não é o pior. Que tipo de jogador expõem tais detalhes em um momento no qual é estritamente proibido este tipo de relação entre dirigente e jogador? Esta declaração incriminaria Cuban e o próprio Varejão junto à Liga, pois conversas desta natureza só podem acontecer a partir do primeiro dia de julho.

Seguindo a entrevista, Varejão diria que vai trabalhar no seu arremesso de três pontos. Sério, Maurício? Um jogador que não tem um arremesso consistente de média distância e que tem o melhor do seu jogo dentro de garrafão começará a desenvolver chute de três pontos? Não por acaso, todos que vi comentando a entrevista deram risada. Não existe lógica.

A suposta avaliação de Varejão sobre o basquete internacional e a Copa América também desafiavam a lógica. Dizer que o Brasil vai se classificar com folga e que só se preocupa com os argentinos não é a postura de um jogador sério como Varejão. Já colocar a Alemanha entre as quatro melhores seleções do mundo é simplesmente loucura. Ou seja, tudo era bem suspeito.

O blog já colocou duas notas de esclarecimento e pedido de desculpas aos leitores e envolvidos. Admitiram que a entrevista foi inventada e lamentaram o fato. Enfim, o máximo que podem fazer com a besteira feita. Não conheço os redatores do blog, mas tenho informações de que o Mathias Abreu, que é o idealizador do NBA WebSportiva, é uma pessoa íntegra, incapaz de ser conivente com algo como o ocorrido. Como o próprio Mathias disse, seu único infeliz erro foi dar liberdade excessiva a uma pessoa (no caso, o tal do Maurício) que, na verdade, não conhecia. Erro grave, mas que qualquer um poderia ter cometido.

E voltamos ao começo do meu texto. Realmente, a internet oferece a oportunidade de todos serem produtores e receptores de conteúdo. No entanto, a história da falsa entrevista de Varejão prova que todos podem produzir, mas nem todos estão comprometidos com a informação e o público. E esta é a real diferença entre quem faz jornalismo e os demais. Uma diferença que aprendi e vivenciei durante os quatros anos que passei na Universidade.

No fim das contas, as duas mensagens que deixo são:

– Atualmente, os blogs e sites independentes brasileiros são os verdadeiros responsáveis pelo jornalismo relacionado à NBA do país e isso confere uma grande responsabilidade. É o tal do comprometimento com a informação e o público.

– Eu acredito que o Maurício nem tenha formação universitária ainda, mas, independente disso, não é o diploma que faz um jornalista, mas os anos de estudo e conhecimento que representa. Eu sou um jornalista, tenho um diploma e isso representa muito.

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  1. Victor Santificetur
    22/06/2009 às 7:12 pm

    Parabéns belo texto.
    Muito bom, só não concordo com a parte que você diz ser importante graduação na área.
    Até porque muitos dos jornalistas que vemos hoje nao têm esse tipo de formação e nem por isso fazem tamanha besteira como esse rapaz.
    Resto do texto,pra mim, é perfeita sua análise

    • tiozeca
      22/06/2009 às 10:24 pm

      Agradecido.

      Discordâncias sempre existem, cara. Isso que estimula a discussão.

  2. Leandro Matos
    23/06/2009 às 12:33 am

    Ricardo,
    Vou contribuir com minha discordância:
    Eu não sou jornalista. Sei que para produzir um material jornalístico na internet, na tv, num jornal, ou em qualquer outro lugar, precisa da devida competência. Subtende-se disso, conhecimento e estudo. Ainda que não seja exigido o diploma, claro que será sempre preferível um profissional competente. Ou seja: com estudo e conhecimento. Mas o caráter não se forma em faculdade alguma, em curso algum.
    Um jornalista formado faz e sempre fará coisas do gênero. E, dada a importância de alguns fatos, evidentemente, de modo até mpPode até escrever sua canalhice com mais competência, mas ainda assim a escreverá.
    Nem li tanto sobre o tema, vi por cima, mas concordo. Liberdade de expressão. Se erros forem cometidos, que sejam reparados na justiça.
    Se não é o diploma que faz um jornalista, não sei se são também apenas o estudo e o conhecimento.
    É isso.

    • tiozeca
      23/06/2009 às 1:09 am

      Leandro, eu entendo os seus pontos – até porque, enquanto escrevia, também pensei nestas questões. E, antes de iniciar a faculdade, esta era a minha posição. No entanto, mudei de opinião com a minha passagem pela Universidade.

      Lidar e trabalhar a informação é um processo muito mais complicado do que parece. E é onde tropeçam vários profissionais – nos blogs ou nos grandes veículos de notícias. Não são erros voluntários, passam desapercebidos pela maioria, mas poderiam ser evitados por um profissional com formação universitária – e reciclagem constante.

      Eu não sou a favor de queimar em praça pública todos que exercem sem a formação, até porque a esmagadora maioria são veteranos de 30-40 anos de casa. No fim das contas, eles que ensinaram as novas gerações. Sou a favor de, a partir de agora, todos os contratados para cargos na área serem jornalistas por formação.

      Eu entendo também o argumento da liberdade de expressão. Mas, com um pouco de pensamento, eu acho muito fraco. Liberdade de se expressar é muito diferente da responsabilidade de informar, por mais que, hoje, todos acabem tendo a possibilidade de informar.

      Abração, obrigado por ler e te cuida!!!

  3. João Da Paz
    23/06/2009 às 11:34 am

    No texto “O Jornalismo e a Entrevista de Varejão” há pontos importantes que destaco a seguir:

    1º Concordo que “os blogs e sites independentes brasileiros são os verdadeiros responsáveis pelo jornalismo relacionado à NBA do país e isso confere uma grande responsabilidade”.

    A definição de “liberdade de expressão” chega ao grau quase perfeito de definição quando o assunto é blog e internet. Existem diversos blogs que tem como tema a NBA, cabe aos leitores categorizá-los como dignos de confiança, em relação a informações e opiniões.

    2º Esta sua, Ricardo, sobre o teor da entrevista foi muito bem observada (aliás, assim como fez várias pessoas aqui na comu) sobre as “respostas” dúbias da suposta conversa.

    3º Um adendo sobre a questão “diploma”: A Folha de São Paulo (por exemplo) um dos maiores jornais do país, NUNCA exigiu diploma para seus repórteres, colunistas… Segundo seu Manual de Redação, tal atitude (ou seja, exigir um diploma) é inconstitucional. Porém, para alguém entrar na organização, precisa passar por vários processos seletivos, por cursos… Esta é a tendência daqui pra frente: as organizações criaram um sistema de contratação segundo o nível de cada, sendo responsavéis diretos pelo nível profissional de seus funcionários.

    Algo que acontece nos EUA (apenas mais um exemplo). Lá, não se exige diploma: a universidade serve para se aprender a profissão. Nem por isso os jornais, TV´s contratam qualquer pessoa; e, evidentemente, quem tem o curso sai na frente de outros candidatos.

    Mais um exemplo: Shaquille O´Neal é formado em “Estudos Gerais” (ramo de Artes), mas quer, quando encerrar a carreira, ser jornalista. Diferente de outros de seus “colegas”, que já vão direto para a imprensa, ele optou por fazer uma graduação na universidade de Syracuse (considerada a melhor em jornalismo) para entender como a “coisa” funciona.

    No Brasil, (mais um exemplo), Neto não tem diploma, já Godói tem (fez por opção), ambos da Band. Se percebe claramente a diferença de abordagem entre um e outro.

    • tiozeca
      23/06/2009 às 9:59 pm

      João, uma vez que a formação não será uma exigência obrigatória, eu acredito que o caminho mais justo é este mesmo que você relata como o futuro – o próprio jornal realizar uma criteriosa seleção (que, certamente, vai acabar dando vantagem para aqueles já formados) e oferecer cursos de cunho educativo para atuação na área (que são importantes até mesmo para os já formados, como reciclagem).

      Na prática, o jornal vai contratar uma pessoa com ou sem diploma por meio de uma criteriosa seleção e fará uma espécie de formação alternativa para o novo profissional.

      Abraço e agradeço a visita!

  4. 23/06/2009 às 12:48 pm

    Muito bom, Ricardo!
    É uma pena que uma atitude mais do que infantil como essa possa colocar em risco a credibilidade de qualquer meio de comunicação brasileiro…
    Mas o jeito é continuarmos fazendo nosso trabalho, com a seriedade que sempre fizemos!

    • tiozeca
      23/06/2009 às 10:03 pm

      Valeu, Luís. A minha esperança também é esta: que nossa crebilidade não seja atingida por este caso. Não deixa de ser chato que vários sites internacionais nomeiem a “burrada” de um “blog brasileiro”. Temos que continuar com nosso trabalho.

      Abraço!

  5. christiane
    30/06/2009 às 11:23 am

    oi anderson, gosto mt de vc e torço pelo seu trabalho, é uma perda mt grande p nosso país, a seleção brasileira não ter vc na equipe, por isso desejo q vc vença muito, e ainda faça mt cesta na nba.
    abç
    christiane

  6. 23/04/2011 às 3:12 pm

    coisa mais chata

  7. 23/04/2011 às 3:13 pm

    chatisse

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